Quem decide a hora de abrir a gaiola?
Uma vez eu tive um sonho. Sonhos são sempre simbólicos, via de regra, mensagens da nossa Consciência para a percepção do saber organizado.
Nos sonhos, operamos em outra natureza dimensional. Todos os contextos de tempo, espaço e realidades são subvertidos e o cérebro não se queixa disso.
O simples ato de fechar os olhos nos transporta para uma outra condição de perceber, arrisco dizer, mais ampla.
Há pessoas que tem muita dificuldade de fechar os olhos. A hipótese de perder este controle, que é ilusório, mas se apresenta como verdadeiro, é informação suficiente que vem da experiência do medo, para que manter o alerta seja a experiência possível.
Mas no sonho, o alerta é desligado e tudo é possível. Saltar alturas incríveis, fazer coisas inacreditáveis e revelar facetas do Eu.
Então, um sonho, muitas vezes vai revelar respostas diretas. Outras vezes permanecerá sem nenhum desejo de ser interpretado, pois a experiência já se deu e a informação e energia originadas no sonho está lá, fazendo o que tem que fazer, muito além das interpretações possíveis, mas sempre válidas.
Passei um final de semana de grandes aprendizados. Passei por uma iniciação filosófica. Nos dois dias seguintes eu estive em estado de pura criação, literalmente com a “chave” do entendimento nas mãos. Talvez estivesse mesmo, pois os processos intuitivos se abrem graciosamente, cada vez que um conhecimento rebrilha no meu espírito.
Toda aquela informação e energia fazendo sentido dentro do meu ser. Era uma energia potencial de romper fronteiras. Nestes dias dei partida há alguns movimentos muito importantes.
E já estava eu em planejamentos, naquele tipo de potencial que a gente quer revelar pro mundo “aquilo tudo”.
Foi aí que o sonho aconteceu.
Sonhei que estava na casa de uns vizinhos, que são vizinhos desde a infância.
A bem da verdade, eu preciso informar que este vizinho específico, foi um menino briguento, não aceitava muitas regras, tinha uma energia pouco conciliadora e algo impositiva.
Eu estava exatamente na casa dele, numa varanda alta, onde haviam gaiolas. Três gaiolas.
Numa delas, três passarinhos coloridos e já adultos. Na outra, dois filhotes. E numa terceira, uns bichos que até hoje não sei identificar, mas parecia um tipo de molusco.
Eu estava em companhia de uma menina bem jovem. Comecei a fazer meu discurso indignado de certo e errado. Que passarinhos deveriam estar na mata. Que prender os passarinhos é egoísmo. A menina ouvia, indecisa sobre colaborar na soltura ou me alertar que eu não deveria me meter.
Como adulta, meu convencimento foi maior, afinal de contas, adultos sabem o que fazem, não é mesmo?
E resolvi soltar os filhotes...
Abri a gaiola, peguei o primeiro. Vi então que eles tinham uma espécie de barbante, amarradinhos feito anilha, numa das patinhas. Com uma tesourinha cortei e soltei, fazendo o mesmo procedimento com o outro filhote.
A menina suava, antevendo que o dono dos passarinhos iria ficar irado. E eu, começando a entrar em contato com minha atitude abusiva, dei sinais de nervosismo e descontrole e sugeri que nada fosse dito.
Neste estado vi que os filhotes, após um breve voo, retornavam e pousavam na gaiola dos adultos que estavam desesperados! Tentei pegá-los de volta. Eles queriam a segurança, de onde foram expulsos.
Na minha arrogância, eu supus que liberdade é muito melhor que cárcere.
Tentava pegá-los e, reação de passarinho... voavam. Durou um tempo até que, cansados, pousaram num galho próximo.
Próximo o suficiente para cruzarem o olhar comigo, enquanto eu os via serem destruídos por predadores.
Acordei. Sabendo que aquele sonho era uma profunda reflexão sobre o estado de "ser terapeuta".
Sobre o desejo de ajudar.
Sobre o limite.
Sobre o julgamento do que seria um estado ótimo.
Sobre para onde cada um deveria ir.
Sobre a sensação de que terapeutas, tem a chave a gaiola, mas nem sempre devem podem usá-la.
Sobre as "Ordens da Ajuda", de Bert Hellinger.
Muitas vezes, talvez sempre, a pessoa na posição de cliente, vem te pedir que abra a sua gaiola. Mas este pedido pode ser aparente, por que à medida em que a gaiola não se abre, é porque o ser que habita ali dentro, não está pronto para o vôo seguro.
Muitas vezes torcemos, torcemos mesmo, para que a pessoa “acorde”. Mas quem disse que ela dorme?
Outras tantas, na nossa mente, tentamos dar um empurrão, para ver se a pessoa sai do sofrimento. Mas quem disse que é sofrimento, comparado com algo que talvez a pessoa ainda não possa lidar?
A terapia traz recursos, ferramentas, um potencial intuitivo imenso e maravilhoso. Mas, muitas vezes, essas chaves não servirão para abrir a gaiola, pois não estão no tempo certo, ou porque a história, a experiência é aquela e tem o seu imenso valor.
Terapeutas não são destruidores de gaiolas. São observadores de pássaros.
Alguns deles, teremos que cuidar, ali mesmo, dentro da gaiola, aproveitando a oportunidade de exercer compaixão e uma escuta autêntica.
Sonhos, são sempre do sonhador.
O vizinho irritado sou eu.
A menina indecisa sou eu.
Os passarinhos que ficaram presos, os que foram soltos e até o gavião que os pegou.
Também sou os moluscos, talvez representantes dignos da verdadeira sabedoria, em seu sossego, aceitando a realidade, desfrutando do agora, observando sem maiores estardalhaços.
Afinal de contas, a opção de soltar filhotes foi pelo alarde de pios e tremeliques. Moluscos estão na deles, pouco se movem e não comovem.
Esta reatividade toda, também pode ser percebida em pessoas que nos chegam e dizem não aguentar mais. Este potencial de energia nos atinge em cheio a necessidade de ajudar, de modificar o quadro, quase num desafio.
O desafio é lidar com os aparentes pedidos de socorro.
Assim que saíram, os filhotes quiseram voltar!
Um sonho, muitas revelações.
Veio um acalmar profundo, para simbolicamente conectar com o estado molusco, que informa, “é assim”.
Ali na gaiola pode estar adequado ou não e você não sabe. Não sabe mesmo!
Só quem pode abrir a gaiola é o Eu. E só abre a partir de dentro.
O trabalho terapêutico é apoiar esta jornada sem pressa, afinal, aonde vamos, senão voar ao encontro de nós mesmos?
Comments