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Socorro, fiquei sem voz.

Atualizado: 9 de set. de 2019

É bem possível que você já tenha vivido experiências que remetem àquelas situações em que as palavras ferem, assim como palavras que curam, bem como o velho ditado de que quem não se comunica pode acabar mal.

Eu gosto muito, muito mesmo, das palavras.

Na verdade eu preciso de muitas palavras para expor as ideias e as coisas que percebo.

Eu também gosto das palavras para tentar ter um mínimo de segurança de que estou transmitindo aquilo que quero transmitir.

É por causa disso que eu tenho um blog.


A argumentação vai tocando o ritmo do texto. Pontos, vírgulas, mudança de parágrafo, abre aspas, vão abrindo espaços para reflexão e podemos até voltar ali atrás e pegar de um ponto, onde a coreografia pode ter sido perdida. Parece que as palavras vão dando as mãozinhas umas as outras, até que possamos fechar uma roda que se chama conclusão. Sendo roda, ela gira; por girar, conclusão nunca há, mas somente novas reflexões à depender de que lugar você observa, à medida que a roda segue sua missão de girar. Além de evocar esta roda, há também os encaixes. Colocadas de certas maneiras, provocam aproximação ou distanciamento. Apenas porque a palavra está batendo lá dentro, repercutindo... No sentir puro. Como um tambor.

Estou sempre observando a sincronicidade das coisas, pois vida é movimento.

Na semana em que comecei a tecer esta reflexão, neste jeito que eu prefiro para me comunicar, também estava em execução um projeto de gravação de podcasts, para contar histórias que tenho vivido ao longo de muitos anos da experiência como terapeuta e como tem sido fundamental para a minha transformação como pessoa. Meu check list estava imenso.

E aí, eu perdi a voz!

Nossa, como isto foi interessante!

Trabalho com métodos terapêuticos onde a palavra, de verdade, é secundária.

Todos os processos são de sentir, de perceber; as palavras entram desenhando contornos apenas. Ou, pelo menos, é assim que deveria ser.

Uma informação emerge e pode ser que passe um arrepio na perna. Pronto! Nada para ser retido ou argumentado. E observa-se o processo.


No entanto, estamos muito treinados a explicar-explicadinho, rebuscando com laudas de exemplos e conceitos, por vezes repetitivos, até que o cérebro tenha a sensação de que compreendeu alguma coisa, depois que foi repetido pela décima vez. E ufa! Dá-se o alívio.


A necessidade de explicações costuma vir da necessidade racional. No entanto é apenas controle.

É importante ressaltar que nada na natureza é bom ou ruim, mas pode se manifestar em excesso ou deficiência e, isto sim, é desarmônico. Então, antes de dizermos que controle é ruim, imagine a bexiga sem controle.

Controle, na natureza, é diferente de necessidade de controlar, expresso pela mente lógica e racional.


Faz tempo que em algumas tribos, a comunidade se sentava para observar o firmamento e tudo que se ouvia era o cricrilar da natureza ou o imenso silêncio eloquente. Não tão distante no tempo, em cidades mais interioranas, ainda se pode encontrar as pessoas nas calçadas, sentadas lado a lado, apenas ali, até que alguém diz: " então, boa noite". E se vai. São dessas conversas infindáveis, nutritivas, de sossegar alma, apenas porque há entrega ao movimento e o livre fluxo da respiração e da energia. Perder a voz me colocou à refletir se eu também não estaria utilizando palavras demais, ou palavras desnecessárias; por outro lado, em outros momentos, minimizando palavras em canais escritos, cujo limite de caracteres me obriga a reduzir os textos.

Foi muito sincrônico, pois na mesma semana uma queridíssima amiga que admiro demais, trazia o mesmo tema e ainda indicou um outro canal, aonde o mesmo assunto estava sendo tratado. Uau!

Então, se estes eventos não estavam ocorrendo somente aqui para mim, há algo movendo-se para ser observado, de modo sistêmico.


O sistema de saúde que trabalho, BodyTalk System, apoia-se também nos saberes da Tradicional Medicina Chinesa e, portanto, está fundamentado na Teoria dos Cinco Movimentos. É mais comum encontrarmos as referências como Cinco Elementos, mas o que tratamos profundamente refere-se aos movimentos expressos por Fogo, Terra, Metal, Água e Madeira. Parece mesmo que observamos a frequência, o vibrar sutil destes movimentos/elementos.


E tudo convergiu na percepção de que algo muito intenso estava acontecendo com o Metal. Metal também se expressa na respiração. Para bem falar é preciso bem respirar.

A expressão de movimento do Metal é o "início da contração".

Vamos examinar.


Às vezes, estamos passando por momentos que prenunciam mudanças. Naturalmente nos retraímos. É a inteligência do Metal em ação. Precisamos desta contração, deste ir para dentro, como à buscar a força, a sabedoria, que após contrair mais ainda, dará início à mudança em si. É assim que as sementes eclodem. Ela seca e depois brota.

É assim que a gente se espreme um pouco antes de sair da zona de conforto para zonas de conflito, onde a mudança ocorre.


O Metal expressa uma secura natural, afeta os pulmões, os intestinos, a pele, provoca um certo descamar, uma oportunidade de desapegar e de renovação.

Não é à toa que precisamos beber mais água na presença de quadros que afetam o aparelho respiratório. Antes de ser para fluidificar as secreções, é para seguir o movimento natural do elemento Metal para o movimento seguinte, que é a Água, onde é ainda mais contração.


A natureza promove este equilíbrio sistemicamente, todos os dias, debaixo do nosso nariz, e é por isso que para nos recuperarmos bem desses quadros orgânicos, precisamos do descanso, da natural diminuição de ritmo solicitada pelo Metal.

A vida moderna cheia de grandes exigências, provoca um imenso desequilíbrio neste sistema natural dos movimentos/elementos internos e a secura natural do Metal pode manifestar um quadro de hiper secura.


Não podemos parar, não damos um tempo, temos mil relatórios e posts e temos que continuar comunicando, quando é hora de recolher.

Recolher não é parar, é simplesmente recolher. Não recolhendo, aí sim, o movimento pode travar. Como o motor que fica sem óleo.

Foi o que aconteceu, não dei atenção ao movimento/elemento Metal e ele hiper secou.

Quando um movimento para, implica em todos os outros. Dentre os efeitos colaterais curiosíssimos, foi perceber meu paladar, de regência do movimento/elemento Terra, absolutamente alterado. Eu, adepta de comidas mais naturais, só queria comer frituras, macarrão oriental, tomar refrigerante, levantar às duas da madrugada para comer um biscoito cheio de gordura hidrogenada e corante. Foi bem impressionante olhar esse monstro devorador de lixo.


E foi muito importante tomar consciência do que realmente estava acontecendo. Mudanças. Mudanças rápidas. Chek list além da conta. Multi funções.

Então, simplesmente respeitei o Metal. Desmarquei agenda. Recebi tratamentos. Respirei. Hidratei. Descansei. Voltei às práticas de meditação.


E eu, numa quinzena sem voz, fiquei me perguntando, como eu me comunicaria neste mundo de exigente eloquência, se minha voz resolvesse tirar férias. Sendo eu também, palestrante, acho que teria que inventar uma nova maneira de me comunicar, mas por hora, eu quis perceber como é o não poder falar, falar e não ser entendido, falar e não ser ouvido, não ter lugar de fala, ter que gritar, desistir de falar, que acomete tantas pessoas, numa época em que estamos ficando tão ressequidos quanto a natureza.

Talvez, num espaço de percepção interna, poder dizer para alguém, que não adianta ficar horas falando, se está impossível olhar nos olhos.

Talvez seja por isso que conversar em meios virtuais se sustente, ao passo em que na presença, o discurso arrefece.

Por que vão te olhar nos olhos, e ver que não existe um kkk.

Poder informar que, se só a mente está presente, fazendo racionalização para enganar-se que compreendeu, enquanto o coração está petrificado de medo de ter medo, ou com enorme dificuldade de enfrentar que a vida mudou e as coisas não são mais como eram antes, também não gerará grandes mudanças, simplesmente porque a mente lógica não conhece todos os conceitos do mundo e, principalmente, não conhece o panorama interno, que tem outras formas de dizer as coisas.

E o que seria o grito? Tanta pressão, tanta falta de espaço, tanta angústia em não ser ouvido.

Estas pressões, muitas vezes, tem origem nos nossos medos muito profundos.

"Levanta menino, larga esse jogo!"

Na verdade, talvez, só fosse preciso dizer, "Filho, eu tenho muito medo de te perder e não tenho força contra isso".


Este não é um cenário raro. Cada vez mais o privilégio de falar o que é prioridade, de uma forma assertiva porém gentil, tem se perdido nas relações.

Por estarmos nos desconectando desta fala que emerge do corpo e do coração e extravasa pelo olhar e pelo toque, exige-se mil artimanhas para dizer coisas simples, que já não sabemos mais expressar. E temos trancado falas muito importantes dentro da gente, com medo de sermos considerados inadequados e não temos respeitado a natureza do corpo, quando entra a secura do Metal e diz: diminua, menos, devagar. Inspira e assopra.




A quinzena "sem voz", me levou a repensar o que eu de fato quero falar nestes podcasts.

Mais ainda, me fez pensar sobre o que, o quanto e como falar , nos momentos onde a fala me cabe.

E me fez perceber os motivos de eu amar as palavras e as sensações de que as palavras dançam.

Dançam porque seguem o movimento natural dos elementos, naquilo que precisa ser expresso.

Celia Barboza

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