Ao contrário do que imaginamos, não temos palavras para todas as coisas, porque há coisas grandes demais ou pequenas demais, que se expressam apenas pelo sentir, pelo relacionamento com as coisas em si, sustentado por processos culturais e ancestrais; processos estes, desconhecidos da nossa cultura.
Estamos muito preocupados com estas novas fronteiras sendo reveladas. Fronteiras se fecham ao passo que percebemos que fronteira alguma existe e vamos, a duras penas, experimentando a sensação de integralidade, mas ainda circulando ao redor do nosso ilustre umbigo.
O mar se tingiu de negro e nos lembramos do mar. A floresta queimou e nos lembramos da floresta. Mas ainda não entendemos.
Acontece de estarmos ameaçados e olhando para os espelhos imediatos. Familia, vizinhos, bairro, cidade, país, planeta; e nos descobrimos semelhantes.
Mas, ainda estamos olhando somente o que é semelhante. Não estão incluídas as árvores, os rios, os animais, o vento, pois não lhes reconhecemos personalidade.
A natureza ainda está fora de nós e nosso senso de comunidade é parcial e mercantilizado.
Como ensina o querido Ailton Krenak, a cosmovisão é um estado de ser comum para vários povos, onde o indivíduo não é separado da terra e nem mesmo se reconhece um indivíduo. O ser e a comunidade são uma só coisa "em que havia corresponsabilidade com os lugares onde vivemos e o respeito pelo direito à vida dos seres, e não só dessa abstração que nos permitimos construir como uma humanidade, que exclui todas as outras e todos os outros seres" *
Esta percepção fica evidente na medida em que nos asseptizamos, para preservar o que é possível de ser reconhecido, como a única humanidade que sabemos codificar.
Ainda me referindo a Krenak, não conhecemos um rio como nosso avô.
Na nossa cultura, só se preserva o que é possível ser medido e pesado; e seguindo este processo asséptico, corremos o risco de fechar ainda mais o nosso circuito de percepção, do que seja uma humanidade "útil". Então úteis serão os que tem um serviço dito essencial, na corrente produtiva, que o planeta está avisando que não suporta mais.
Nos fechamos para nos abrir. Será mesmo? Ou estamos tendo a oportunidade de nos fechar para ficar cá dentro e perceber o que há aqui dentro?
Por hora temos medo, e nos auto cuidamos, asseptizando o entorno, no zelo da responsabilidade social; mas este mesmo exercício da assepsia pode construir uma percepção perversa e egoísta; anulando a pouquíssima expressão de comunidade, que apenas iniciamos a construir. O egoísmo nos ameaça, logo ali na saída deste túnel.
Seguimos iludidos e partidos, tentando curar o planeta - como se pudéssemos - enquanto não percebemos que o planeta nos cura, à medida que nos empurra pra dentro de nós, quem sabe, para que alcancemos o sentido de conexão, de cosmovisão, onde nada está separado de nada. Ou precisaremos que os rios fiquem vermelhos, para entender que é o nosso próprio sangue.
Rex Thomas, coloca que nossa missão é observar nossa dualidade. E a missão da Terra é apoiar para que a dualidade se expresse. Como uma mãe, que ensina.
Observar nossa dualidade; talvez seja essa insistente sensação de separação; da natureza, dos outros, das outras versões de humanidade, enquanto tentamos entender que somos um e nos interferimos em rede. Viralizamos.
Não há palavras para tudo; e há palavras que não tem sentido algum para nossa humanidade.
A palavra tehoká me encontrou.
tehoká, é uma expressão guarani.
Todos os guarani querem voltar no tehoká, o local sagrado, que é sagrado pois é mais do que o lugar onde se nasce, enquanto espaço físico; é o lugar onde realizam o modo de ser guarani e só assim se pode ser guarani, com todas as personalidades, ancestralidade, rio, pedra, fauna e flora pertencentes.
Nossa humanidade desconhece tehoká.
Me percorre agora uma emoção, ao lembrar de São Francisco de Assis, na sua humanidade integral, que chamava os animais, as pedras, o sol e a lua de irmãos.
tehoká.
Sonhemos.
*Ideias Para Adiar o Fim do Mundo. Ailton Krenak pag. 47
Cia das Letras
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