Outro dia desses, estava olhando algumas cicatrizes nos meus joelhos.
Algumas foram provocadas por tombos de bicicleta.
Cicatrizes são registros, marcas visíveis de um acontecimento.
Posso lembrar de quando bati o joelho numa
pedra e conheci a progressão de um hematoma, variando do preto quase absoluto, migrando para o roxo e lilás e acabando-se num amarelecido feio à beça, até quase sumir.
Quase, porque até hoje, a pele ali naquele lugar, tem uma coloração levemente diferente.
Mas há também as cicatrizes não visíveis.
Aquela do medo de ter quebrado a perna, junto com a curiosidade apavorante sobre como seria ficar imobilizada ( essa experiência eu vivi bem mais tarde); um terror de ficar de castigo ou levar uma surra; a ameaça de "nunca mais você vai pegar essa bicicleta, garota"; a risada da garotada em volta, porque criança pode ser bem cruel; e a dor, dor, dor, dor.
Junto com o hematoma, foi embora a lembrança do evento e voltei a pedalar, coisa que fazia com muito gosto e outros tombos vieram; assim como vieram outros gritos para andar devagar, descer a ladeira com cuidado, olha o carro, não passe na poça porque pode ter buraco, não empreste pra desconhecido, se quebrar não terá outra.
Aff! Adulto é uma coisa chato-progressiva.
Depois os filhos vieram e também foram andar de bicicleta. Um mais cedo e o outro já adulto.
Andando de bicicleta também levaram seus tombos, em maior ou menor gravidade; e eu também dei meus gritos de prevenção.
É, a gente repete.
Mas o que havia de tão legal em andar de bicicleta era poder soltar o freio e quebrar essa regra!
Um dilema fantástico se instalava: ando devagar e não tem graça ou experimento e ...? Posso rir ou chorar.
Na verdade, não importa muito se a gente desce a ladeira correndo, ou arrastando o pé no chão pra ficar mais seguro.
Importa mesmo é que vá.
Importa que não tenhamos tantos medos das cicatrizes e, eventualmente, experimentemos soltar o freio do controle absoluto das coisas.
A experiência infantil me mostrou que, mesmo arrastando o pé no chão para descer a ladeira, o chinelo arrebentou e a criatura caiu... feio.
Não passaremos pela vida isentos de cicatrizes. Nem nossos filhos, apesar do desejo de blindá-los das experiências.
No fim das contas, visíveis ou invisíveis, as cicatrizes serão simplesmente histórias, constituintes da pessoa que somos. Parte integrante, inseparável!
Neste mesmo lugar da dor, reside também a força.
Pedale, voe, dance. Caia e levante. Qual o problema?
Este texto é uma homenagem à uma menina.
Quarta filha nascida de um casal, após a experiência de três filhos não nascidos.
Nesta data, 13-02-2020, nasceu também a certeza de que sempre vale a pena!
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